Por Redação
Muito antes
da chegada dos humanos ou mesmo dos primeiros mamíferos, o céu do que hoje
conhecemos como Brasil era dominado por criaturas tão impressionantes quanto
enigmáticas: os pterossauros. Esses répteis alados, com envergaduras que
podiam ultrapassar os seis metros, cruzavam os céus do território
nacional há mais de 200 milhões de anos.
No
recém-lançado livro Pterossauros do Brasil (Editora Peirópolis), o
paleontólogo Luiz Eduardo Anelli, professor do Instituto de Geociências
da USP, nos convida a descobrir essas criaturas fascinantes por meio de um
mergulho profundo na paleontologia brasileira, com o auxílio das ilustrações
detalhadas de Julio Lacerda.
Os senhores dos céus brasileiros
Embora
esses seres alados tenham provavelmente voado por toda a América do Sul durante
a era Mesozoica, seus fósseis no Brasil só foram encontrados, até hoje, em dois
estados: Ceará e Paraná. Isso ocorre por fatores geológicos: a
fossilização depende de condições muito específicas — sedimentos, rochas, clima
—, e apenas certas regiões preservaram adequadamente os vestígios desses
animais.
“Devem
existir fósseis de pterossauros em outros estados brasileiros, mas estão a mais
de 3 km de profundidade, inacessíveis aos nossos olhos por enquanto”,
explica Anelli.
Quatro espécies "brasileiras" com histórias incríveis
Em
entrevista à BBC News Brasil, Anelli destacou quatro espécies notáveis
encontradas no território nacional:
- Caiuajara dobruskii (Paraná): um dos mais numerosos, com milhares de fósseis encontrados, é
famoso por sua crista imponente. Acredita-se que vivia em bandos,
possivelmente próximos a lagos ou desertos costeiros.
- Keresdrakon vilsoni (Paraná): um pterossauro com hábitos mais solitários, com
características anatômicas únicas. Seu nome homenageia o paleontólogo
brasileiro Vilsoni Kellner.
- Anhanguera piscator (Ceará): o “pescador” dos mares antigos, tinha dentes adaptados para capturar
peixes, que dominavam os oceanos tropicais da era cretácea.
- Tupandactylus imperator (Ceará): com uma crista craniana enorme e uma cabeça desproporcional
ao corpo, é um dos mais espetaculares pterossauros já descobertos no
mundo.
Cada um
desses animais revela um pouco do passado remoto da Terra e do que um dia foi o
território brasileiro — uma terra de gigantes voadores e paisagens
irreconhecíveis.
Mas afinal, pterossauro é dinossauro?
Apesar de
serem frequentemente agrupados com os dinossauros, os pterossauros não são
dinos. Ambos pertencem ao grupo dos arcossauros, mas divergiram em
linhas evolutivas distintas. O professor Anelli faz uma analogia simples: “Não
chamamos um banquinho de cadeira, nem uma cadeira de poltrona. São coisas
distintas com semelhanças, mas também com diferenças marcantes.”
Os
pterossauros tinham quatro dedos nos membros anteriores, sendo o quarto
extremamente longo, sustentando a membrana da asa. Seus ossos eram ocos e
possuíam uma estrutura chamada pteroide, que auxiliava no voo — algo que
os diferencia claramente dos dinossauros, cujas patas dianteiras geralmente
tinham três dedos e cuja estrutura corporal não favorecia o voo.
E as aves, são descendentes dos pterossauros?
Não. As
aves modernas descendem de pequenos dinossauros carnívoros, como o Velociraptor,
e não dos pterossauros. Ambos desenvolveram o voo de forma independente,
em momentos diferentes da história evolutiva. Segundo Anelli:
- Os pterossauros aprenderam a voar
há cerca de 220 milhões de anos;
- As aves, por volta de 150
milhões de anos atrás;
- E os morcegos, únicos mamíferos
voadores, há cerca de 70 milhões de anos.
Três
linhagens de vertebrados alçaram voo — em eras distintas, com estruturas
corporais distintas.
Por que os pterossauros foram extintos?
Os
pterossauros desapareceram no fim do período Cretáceo, há cerca de 66 milhões
de anos, no mesmo evento catastrófico que extinguiu a maioria dos dinossauros
não-avianos: a queda de um grande asteroide no que hoje é o México.
Mas,
segundo Anelli, não foi apenas o impacto que causou o fim dessas criaturas. Os
pterossauros eram animais grandes, com reprodução lenta e alta demanda
energética. Isso os tornou especialmente vulneráveis às mudanças ambientais
radicais que se seguiram ao impacto do asteroide. Já as aves, menores, mais
inteligentes e adaptáveis, conseguiram sobreviver.
“A
reprodução das aves é mais rápida. Elas se alimentavam de frutas e sementes. Já
os pterossauros ocupavam um nicho ecológico muito mais sensível”, conclui o
pesquisador.
Por que a pré-história importa?
“Ela nos
educa, nos entretém, nos aproxima da ciência e, mais importante: coloca
livros nas mãos das crianças”, diz Anelli. Para ele, o Mesozoico, apesar de
representar apenas 4% da história da Terra, foi o período em que as
bases da vida moderna foram estabelecidas: mamíferos, plantas com flores,
continentes em formação…
O estudo dos pterossauros — e da vida que os acompanhava — nos ajuda não só a entender o passado, mas também a refletir sobre nosso lugar no planeta e as ameaças que enfrentamos.
Esse artigo é baseado em matéria publicada por André
Biernath da BBC News Brasil
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