Da Redação
A investigação continua e, segundo promotores,
está apenas no começo
Nos últimos anos, o paranaense Sidney Oliveira
alcançou um lugar de destaque entre os grandes empresários brasileiros por ter
construído um império do ramo farmacêutico literalmente do nada. Filho mais
velho de onze irmãos, Oliveira nasceu em uma família pobre. Aos 7 anos, começou
a trabalhar como engraxate e, mais tarde, conseguiu emprego em uma farmácia,
ajudando a sustentar a casa com o que ganhava. Nos anos 1980, já no interior de
São Paulo, abriu sua rede de farmácias e, em 2000, fundou a Ultrafarma, com o
objetivo de vender medicamentos genéricos a preços acessíveis. Hoje, o grupo
conta com mais de 400 unidades franqueadas da bandeira Ultrafarma Popular
espalhadas por diversos estados, além de um e-commerce que está entre os
líderes do mercado nacional em vendas on-line de medicamentos.
Uma investigação do Ministério Público de São
Paulo, contudo, revelou que parte dessas conquistas pode estar associada a um
esquema bilionário de corrupção. Na terça-feira 12, Oliveira foi preso no
âmbito da Operação Ícaro, deflagrada pelo MP-SP para desmontar um esquema de
liberação irregular de créditos de ICMS. Segundo a investigação, Oliveira
pagava propina a auditores fiscais para agilizar e inflar ressarcimentos
tributários. O principal operador, segundo os promotores, seria o auditor Artur
Gomes da Silva Neto, que manipulava processos administrativos na Secretaria da
Fazenda paulista, aprovando solicitações acima do valor devido e em prazos
reduzidos, valendo-se de um certificado digital instalado em seu computador.
Antes do estouro desse escândalo, Oliveira já
acumulava no currículo outros episódios controversos. Em 2007, ele foi alvo de
um processo na 2ª Vara do Foro de Santa Isabel (SP) por sonegação fiscal. Em
2019, voltou à mira da Justiça, acusado de não recolher milhões de reais em
impostos federais relativos a empresas que teria integrado antes da fundação da
Ultrafarma. Mais recentemente, em julho deste ano, firmou um acordo com o
próprio MP-SP, comprometendo-se a pagar multas que somam 31,9 milhões de reais.
Parte da força de imagem de suas empresas foi
construída com publicidade maciça e garotos-propaganda de peso. A linha de
vitaminas já teve como estrelas o ator Lima Duarte e a apresentadora Marília
Gabriela, ambos encerrando os comerciais com o bordão "Vitamina tem nome e
sobrenome: Sidney Oliveira". Outro rosto associado à marca foi o de Dunga,
capitão do tetra da seleção brasileira. Um influente empresário do setor, que
falou à VEJA sob condição de anonimato, resumiu: "Sempre me perguntaram
como a Ultrafarma conseguia manter tamanha exposição em mídias de alto custo.
Acho que finalmente as razões começam a aparecer". Procurada pela
reportagem, a empresa não se manifestou.
O setor de atuação da Ultrafarma vive um ciclo
de expansão no Brasil. "Trata-se de um mercado com crescimento resiliente
há bastante tempo", afirma Jorge Gonçalves Filho, presidente do Instituto
para Desenvolvimento do Varejo (IDV). Dados da entidade indicam expectativa de
alta no volume de vendas de 14% em agosto e de 24% em setembro, sempre na
comparação anual. O segmento é pulverizado: as grandes redes respondem por
apenas 10% das cerca de 120 000 farmácias em operação no país. Nesse cenário de
alta competitividade e margens pressionadas, artifícios tributários como o
atribuído a Oliveira podem, obviamente, oferecer vantagens expressivas.
A Ultrafarma sempre atribuiu seus preços
competitivos ao fato de o fundador negociar pessoalmente com fornecedores. Para
o Ministério Público, porém, Oliveira ia muito além disso. "Na Ultrafarma,
identificamos poucas pessoas envolvidas, mas a principal delas, que ocupava a
posição de comando, era o proprietário da empresa", afirma o promotor João
Ricúpero, um dos responsáveis pela investigação. Agora, o MP pretende contar
com o apoio da Secretaria da Fazenda paulista para calcular as perdas
provocadas pelo esquema liderado por Oliveira.
No fim das contas, os empresários investigados
montaram uma espécie de "fura-fila" dentro de um sistema tributário
complexo e burocrático. Nesse ambiente, não surpreende que tenha prosperado um
esquema destinado a burlar as regras e vender facilidades. Com a reforma
tributária já aprovada, o nó fiscal brasileiro tem prazo para ser extinto,
abrindo caminho para um modelo mais simples e menos propenso a episódios de
corrupção.
Além da Ultrafarma, outras grandes varejistas
são citadas no atual escândalo, como a rede de eletrônicos Fast Shop - cujo
diretor, Mário Otávio Gomes, também foi preso -, a de lojas de conveniência
Oxxo e a de papelarias Kalunga. Apesar de mencionadas nos relatórios, Oxxo e
Kalunga não foram alvo de mandados judiciais nesta fase. A investigação
continua e, segundo promotores, está apenas no começo. O avanço das diligências
e das quebras de sigilo pode levar à identificação de uma rede ainda mais ampla
de empresas beneficiadas pelo esquema, com potencial para revelar um dos
maiores casos de sonegação fiscal já registrados no varejo brasileiro.
Colaborou Luana Zanóbia
Fonte: Publicado em VEJA de 15 de agosto de
2025, edição nº 2957
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