O que um “terapeuta de milionários” descobriu sobre a verdadeira felicidade



OUVIR O ÁUDIO DO ARTIGO

Por Paula Adamo Idoeta – Fonte: BBC News Brasil, Londres

O psicoterapeuta americano Clay Cockrell, radicado em Nova York, passou anos ouvindo os dramas e dilemas de clientes que pertencem ao seleto grupo dos super-ricos. O que ele aprendeu nesse tempo mudou radicalmente sua própria visão sobre o dinheiro — a ponto de ter desistido de jogar na loteria.

“Percebi os perigos de ter tudo em excesso”, diz ele. “A felicidade não vem da conta bancária. Simplesmente não vem.”

O “efeito tóxico da abundância”

Segundo Cockrell, muitos de seus pacientes sofrem com o que ele chama de toxic abundance — a sensação permanente de que nunca se tem o suficiente.

É o ciclo da insatisfação: alguém acredita que, com US$ 10 milhões, estará seguro e realizado. Mas, ao chegar lá, descobre que precisa de US$ 50 milhões. Depois, US$ 100 milhões. E assim por diante.

Para ele, parte do trabalho terapêutico é ajudar essas pessoas a encontrarem um propósito além do acúmulo de riquezas.

“Se não está em um número, onde está a felicidade? Em filantropia? Em relacionamentos? Em criar algo novo do zero? Ambição é saudável, mas precisa estar alinhada a um ‘porquê’.”

Da caminhada no parque ao consultório dos super-ricos

A especialização de Cockrell surgiu por acaso. Um cliente de alta renda, encantado com seu estilo de terapia — sessões feitas caminhando por parques em vez de trancado em um consultório — recomendou-o a outros milionários.

Foi assim que o terapeuta passou a lidar com questões que, à primeira vista, soam como “problemas de primeiro mundo”.

“Eu também acreditava que o dinheiro resolvia tudo. Ele resolve algumas coisas, mas cria outras. Já ouvi pacientes dizerem que terapeutas anteriores desdenhavam seus dilemas, como onde estacionar um iate ou como dividir a herança. Mas todo problema é legítimo, mesmo que seja diferente do meu.”

Dinheiro como fator complicador

A realidade dos clientes de Cockrell é exceção. Para a maioria da população, a dificuldade é o oposto — escassez, e não excesso.

Uma pesquisa da Associação Britânica de Psicoterapia revelou que 94% dos terapeutas notaram piora na saúde mental de seus pacientes por preocupações financeiras e pelo alto custo de vida. A tensão de “fazer o dinheiro durar até o fim do mês” afeta diretamente decisões e desempenho cognitivo.


O isolamento dos super-ricos

Cockrell ressalta que sua amostra é enviesada — afinal, quem procura terapia geralmente não está feliz.

Mesmo assim, ele observa padrões: dificuldades de relacionamento, desconexão com o mundo real e desconfiança crônica.

“Muitos interagem apenas com quem os entende, o que leva ao isolamento. Há sempre o medo: ‘Você quer estar na minha vida pelo que sou ou pelo que tenho?’. Pode não ser paranoia, mas é uma suspeita constante.”

O peso de ser herdeiro

Filhos de famílias abastadas enfrentam desafios próprios.

Pais que desejam poupar os filhos de dificuldades podem acabar tirando deles o senso de propósito. “Se, aos 21 anos, você já viajou de jatinho e esteve nos melhores restaurantes, o mundo perde a graça. É aí que alguns recorrem a comportamentos de risco para sentir algo novo.”

Outro ponto é a pressão para superar os pais, especialmente quando seguem a mesma carreira — fenômeno que alimenta o termo nepobabies.

“Para alguns, a riqueza tira o incentivo de construir algo próprio. Para outros, o peso das expectativas é sufocante.”

Fascínio e rejeição social

O terapeuta também escreve sobre paralelos entre sua prática e a série Succession, que retrata as intrigas de uma família bilionária. Para ele, a produção captou com precisão o “efeito tóxico do excesso”.

Na sociedade, os super-ricos alternam entre admiração e hostilidade. São vistos por uns como visionários e, por outros, como símbolos de desigualdade. O exemplo mais recente foi o casamento luxuoso de Jeff Bezos, alvo de protestos em Veneza contra a concentração de riqueza.

Segundo a ONG Oxfam, desde 2020 a fortuna dos cinco homens mais ricos do planeta dobrou, enquanto a de cinco bilhões de pessoas diminuiu.

A lição para “mortais comuns”

Cockrell diz que muitos de seus pacientes reconhecem essa percepção ambivalente.

Houve momentos em que os mais ricos eram admirados como trabalhadores incansáveis; em outros, são vistos como oportunistas. Isso os deixa confusos.”

E deixa também uma mensagem para todos nós:

“Se acredita que a felicidade virá com um aumento ou com mais trabalho, olhe para quem já tem tudo — e não é feliz. A verdadeira alegria vem dos relacionamentos, da família e da contribuição para a comunidade. É aí que está o valor.”





 

Postar um comentário

0 Comentários