Comunidades de Ódio Online: Jovens Estão Sendo Induzidos à Automutilação em Troca de Dinheiro

 


Por Isabella Menon – São Paulo, SP (Folhapress)

Um relatório chocante produzido pelas pesquisadoras Letícia Oliveira e Tatiana Azevedo, além de investigações conduzidas pela Polícia Federal, revela uma realidade alarmante: crianças e adolescentes estão sendo atraídos por comunidades de ódio na internet que os incentivam a práticas de automutilação com a promessa de pagamento. O principal palco dessas interações tem sido a plataforma de conversas Discord.

A promessa é simples e perversa: pagar jovens para que cometam atos de violência contra si mesmos — como cortar os pulsos ou escrever com objetos pontiagudos nomes de grupos no próprio corpo — durante transmissões ao vivo, com horários e anúncios previamente marcados. As ações são realizadas para gerar “lulz”, uma gíria derivada do inglês lol (“rindo alto”) que, nesses círculos, é usada para designar prazer obtido por meio do sofrimento alheio.

Segundo a Polícia Federal, a remuneração varia de R$ 30 a R$ 200, dependendo da parte do corpo onde a automutilação é realizada. Regiões mais visíveis, como o rosto e o pescoço, “valem mais”. Há registro de pagamentos feitos via Pix e até por criptomoedas, o que dificulta o rastreamento.

Estrutura criminosa e hierarquia definida

Esses grupos — chamados de “panelas” — funcionam como organizações virtuais com hierarquia interna. O criador de cada comunidade atua como líder, e o acesso aos servidores costuma ocorrer por links privados, compartilhados somente entre membros de confiança. Embora a entrada seja restrita, alguns desses links acabam se espalhando por outras redes sociais, ampliando o alcance dos crimes.

Além de automutilações, o relatório expõe crimes ainda mais graves: meninas são forçadas a participar de “estupros virtuais”, sendo submetidas a sessões em vídeo nas quais são obrigadas a mostrar partes íntimas ou introduzir objetos pontiagudos em seus corpos. Também foram identificados casos de ingestão de substâncias tóxicas, espancamentos, queimaduras e torturas diversas.

Medidas e investigações em andamento

Frente ao agravamento dos casos, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo criou o NOAD (Núcleo de Observação e Análise Digital), para monitorar e reprimir crimes digitais cometidos por esses grupos. Outras operações têm sido realizadas em estados como o Rio de Janeiro, onde uma rede que divulgava conteúdos com apologia ao nazismo, exploração infantil e maus-tratos a animais foi desmantelada.

O delegado Flávio Rolim, chefe da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos de Ódio da PF, alerta para o risco de uma economia macabra se estruturar: “Quando começa a haver um fluxo financeiro, surgem pessoas que, mesmo odiando esse tipo de conteúdo, passam a produzi-lo por dinheiro.”

O papel das plataformas digitais

O Discord, citado como principal ferramenta de comunicação entre esses grupos, afirma manter política de “tolerância zero” contra atividades ilegais. Em nota, a empresa declarou:

“Reiteramos de forma veemente que esse tipo de conteúdo não tem lugar na nossa plataforma, e seguimos totalmente comprometidos em colaborar com as autoridades locais para ajudar a garantir um ambiente seguro e positivo para todos os nossos usuários no Brasil.”

Apesar disso, denúncias relacionadas ao Discord aumentaram 172,5% nos três primeiros meses de 2025 em comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo dados da ONG Safernet.

Para o delegado Rolim, o problema vai além de uma única plataforma:

“O problema não é o Discord. O problema não é a moderação do Discord. O problema não é a legislação. O problema é tudo isso funcionando junto.”

Ele aponta para um cenário em que a presença de grupos extremistas, o fácil acesso às plataformas e o abandono emocional de jovens no ambiente digital se combinam de forma explosiva.

Alerta às famílias e à sociedade

Este caso escancara a urgência de políticas públicas, fiscalização digital, regulação de plataformas e, acima de tudo, atenção redobrada dos pais, educadores e cuidadores. Crianças e adolescentes vulneráveis estão sendo aliciados por redes criminosas que exploram suas fragilidades por diversão e lucro.

A internet pode ser um espaço de aprendizado e crescimento, mas, sem acompanhamento e diálogo, também pode se tornar um campo de risco e dor.


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