Da Redação
Uma gravação feita na Penitenciária Barreto
Campelo, em Itamaracá (PE), ganhou repercussão nacional ao mostrar Jorge
Beltrão Negromonte da Silveira — o principal condenado no caso que ficou
conhecido como Canibais de Garanhuns — atuando como pastor evangélico dentro do
sistema prisional. Condenado a mais de 70 anos de prisão por homicídios
brutais, ocultação de cadáver e canibalismo, Jorge agora afirma: “Não quero
sair. Se sair, volto a matar.”
O vídeo, registrado há cerca de um ano, mostra
Jorge de camisa, gravata e com um violão nas costas, falando ao lado de outros
líderes religiosos e pregando sobre sua conversão à fé cristã. Ele cita
versículos bíblicos e compartilha o início de sua jornada religiosa, afirmando
ter sido abordado por um missionário em 2012. “Quem está em Cristo é nova
criatura. As coisas velhas se passaram, tudo se fez novo” (2 Coríntios 5: 17),
declarou.
O advogado de defesa, Giovanni Martinovich,
confirma a autenticidade da gravação e defende a veracidade da conversão de
Jorge. Segundo ele, o detento atua como pastor há mais de dois anos, com apoio
dos internos do setor evangélico. “Ele realmente está convertido. Quer viver
preso como pastor”, disse ao UOL.
Martinovich afirma ainda que, apesar de haver
condições jurídicas para uma progressão de regime ou prisão domiciliar, o
próprio Jorge recusou essa possibilidade. Diagnosticado com esquizofrenia e
atualmente cego, ele teme tanto uma recaída quanto ser morto ao sair da prisão.
“Ele me disse que, se sair, volta a escutar aquelas vozes e tudo acontece de
novo. Além disso, teme ser assassinado se for reconhecido como o canibal de
Garanhuns”, relatou o advogado.
Jorge foi condenado, junto a Isabel Cristina
Pires da Silveira e Bruna Cristina Oliveira da Silva, por crimes cometidos
entre 2008 e 2012. Em 2012, o grupo foi denunciado pelo assassinato de Jéssica
Camila da Silva Pereira, de 17 anos. A investigação revelou que partes do corpo
da vítima foram consumidas pelos acusados e utilizadas no preparo de empadas,
que eram vendidas em Garanhuns, Pernambuco. Dois outros assassinatos vieram à
tona: os de Gisele Helena da Silva, 31, e Alexandra Falcão da Silva, 20. Os crimes,
conforme apontado pelos investigadores, tinham motivações ritualísticas e
envolviam uma suposta seita ligada à purificação por meio do consumo de carne
humana.
A Justiça somou as condenações dos réus após
dois julgamentos por júri popular. Em 2019, as penas foram ampliadas: Jorge
Beltrão foi condenado a 71 anos e 10 meses de prisão, enquanto Isabel e Bruna
receberam penas superiores a 68 anos.
O caso dos Canibais de Garanhuns chocou o
Brasil pela brutalidade dos crimes e pela frieza dos relatos dos envolvidos,
que chegaram a justificar os assassinatos com fundamentos espirituais e
filosóficos ligados a uma suposta missão de purificação.
Agora, mais de uma década depois, Jorge prefere
a reclusão à liberdade. Para seu defensor, sua situação expõe as contradições
do sistema prisional brasileiro. “A ressocialização em presídio, no Brasil, não
ressocializa. Quem está preso procura uma válvula de escape, e a única opção é
seguir o contexto religioso”, avalia Martinovich. Segundo ele, a presença
católica é mínima nos presídios, enquanto as igrejas evangélicas assumem esse
papel, oferecendo apoio, direção espiritual e, em muitos casos, uma nova identidade
aos detentos.
O vídeo termina com uma frase do diácono
Rodrigo Gracino, que acompanha Jorge nas atividades religiosas dentro da
penitenciária: “Nada é impossível para Deus” (Lucas 1: 37). Para muitos, a
ideia de um canibal convertido em pastor pode parecer absurda ou inverossímil.
Mas para outros, é um retrato das complexas realidades espirituais e sociais
que coexistem atrás das grades do sistema carcerário brasileiro.
Reportagem original publicada pelo
UOL/Folhapress, autoria de Felipe Pereira.
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